sexta-feira, 31 de julho de 2020

Dúvida sobre o autor.

31 de Julho de 2013

De todas as injustiças da existência, nenhuma é maior do que não saber quando vamos morrer, talvez seja proposital, para que assim possamos enxergar, cada dia como uma oportunidade única, porém, não é assim que vivemos, muito pelo contrário, fazemos planos como se os amanhãs fossem quase que infinitos, quando na verdade, não temos nem o controle, e nem a certeza do próximo minuto, do próximo segundo, do próximo expirar.
 
Que significado pode ter uma existência frágil, tão perene, tão curta, que sonhos podem ser construídos em terreno tão insólito, que lógica trágica essa que nos torna um mero banquete a ele, o verme conquistador, o sonho que não contagia, a palavra que não foi dita, a declaração de amor que não foi exposta, tudo é banquete, o arrependimento, a culpa, a mágoa, tudo banquete, só as pegadas ficam junto a dezenas de espaços vazios, na mesa, na cama, no sofá, no armário, o vazio vai tomando conta de tudo.


Muito tempo depois descobri essa música, Naquela mesa, e hoje acho que ela conversa com esse texto. (01/07/2021)


 

segunda-feira, 13 de julho de 2020

O Fantasma do Natal oceanográfico.

Acordo 06:30 da manhã pra vir trabalhar, meio jururu, cabisbaixo por ter dormido pouco e principalmente por estar trabalhando na véspera de natal, depois de arrumado, desço do meu prédio, e me deparo com a rua completamente deserta parecendo um domingo de copa do mundo, com jogo do Brasil, fico pensando no tanto que teria que andar até o ponto de ônibus que me levaria até a Lagoa Rodrigo de Freitas, uma caminhada de uns 10 minutos de muita má vontade, decido então, pegar um táxi, e ir até a Leopoldina, de onde tomaria um ônibus pra atravessar o Rebouças,  uma corrida até lá daria uns 12 reais no máximo, eu achava que naquele momento valia a pena, pagar 12 reais pra não ter que andar os 10 minutos de má vontade.

 

Estendo um braço paro o primeiro táxi que passa, entro e logo digo o destino:

-Leopoldina.

Comento com o motorista o meu estranhamento sobre o quanto a rua estava deserta, e ele responde:

- Pois é tá tudo livre por aí, parece até dia de copa do mundo.

- Sabe que eu pensei a mesma coisa. Mas é que trabalhar no natal é um porre né, o senhor que também tá trabalhando deve saber bem como é, eu vou até as 19:00 da noite hoje, e amanhã ainda volto pra trabalhar.

- Hoje é dia de fazer 18 horas aqui, e amanhã vai ser a mesma coisa, 18 horas de trabalho.

- Caramba, eu reclamando da vida, eu vou fazer 11 horas de trabalho e já estou injuriado, imagino o senhor que vai fazer 18, hoje e amanhã.

- Pois é, mas também tem o seguinte, dia 3 de janeiro eu não quero nem saber, vou pegar um avião e vou lá pro Rio São Francisco, vou passar em.

 

 Aqui ele começou a falar o nome de um monte de cidades a beira do rio que eu não me recordo o nome, disse que iria pescar, mergulhar, enfim, uma enorme férias de 15 dias, e concluiu dizendo.

 

- Sabe como é, oceanógrafo não consegue ficar muito tempo longe da água.

 

Nesse ponto eu me espantei, nunca tinha conversado com um oceanógrafo na minha vida, e ainda mais que era taxista, já estava me aproximando da Leopoldina, e o ar condicionado e a minha curiosidade, juntamente com o fato de eu ter o dinheiro no bolso pra pagar a corrida, me fizeram mudar de ideia.

 

- Moço toca pro Jardim Botânico, que agora a gente vai até lá pro senhor me contar essa história. Como o senhor se chama mesmo ?

- Dimitri.

- Nome russo, bacana.

- Ровно в вашем распоряжении. Respondendo em russo

- Caraca que legal o senhor fala russo ?

- Sim falo, aprendi a maior parte num curso que fiz lá de mergulho, enquanto trabalhava em estaleiros, e depois estudei um pouco aqui.

- Caramba o senhor já foi pra Russia?

- Sim, fui pra Malásia, Indonésia, Inglaterra, até pra Antártida eu já fui, eu trabalhei como mergulhador, depois como oceanógrafo na Petrobrás, na área de pesquisa, eu me formei em 1972, na primeira turma de oceanografia do Brasil.

- Caramba e poxa e esse negócio não dá dinheiro não ? Por que pô, o senhor vai trabalhar 18 horas na véspera de Natal ?

- Olha dá dinheiro sim, mas é que eu tive uns problemas na vida.

- Que tipo de problema ?

- Casei 3 vezes.

- Ha. (risos) quando não é bebida, droga ou jogo é mulher, sempre um desses.

- Pois é, me casei 3 vezes, pago pensão pra duas.

- Ficou viúvo de uma.

- Não casei com ela de novo.

- (risos) Você casou com a sua ex-mulher?

- Sim com a primeira, com quem tive 3 filhos, trigêmeos, univitelinos, iguaizinhos.

- Caraca (risos) pelo menos economizo nessa pensão.

- Pois é, elas hoje tão tudo lá em casa.

- Hen, como assim? As três estão na tua casa hoje?

- Sim vão passar o natal lá, as três.

- (rindo muito) caraca, a tua mulher, que é sua primeira ex-mulher, vai passar o natal com as suas duas ex-esposas?

- Isso e na viagem pro São Francisco, ainda vão eu, a minha atual, e a minha segunda, agora ex, e meu filho., de vez em quando, eu brinco com a minha mulher, dizendo que eu vou dar uma de mórmon, (risos) ela fica puta.

 

Cheguei na Emissora, infelizmente por que o papo tava ótimo, e felizmente por que tava pagando literalmente por ele, risos.  Me despedi o Dimitri, que me saudou em russo na despedida, e entrei pra trabalhar já com outro ânimo.

 

Esse foi o meu encontro com o fantasma do Natal oceanográfico.

domingo, 12 de julho de 2020

Ovo e o amor - Clarice Lispector


"Pego mais um ovo na cozinha, quebro-lhe a casca e forma. E a partir deste instante exato nunca existiu um ovo. É absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída. Sou indispensavelmente um dos que renegam. Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ovo e o renegam como forma de protegê-lo. Somos os que se abstêm de destruir, e nisso se consomem. Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, há um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor. E então, não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente."


Viver leva à morte.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Existirmos ao que será que se destina?

Achei muito interessante a história dessa música, descobri a existência dela por conta de uma entrevista do Lima Duarte, que a cita, segue a letra. Embaixo, vem um vídeo do caetano explicando a música.


Cajuína

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuí­na cristalina em Teresina




terça-feira, 7 de julho de 2020

La Plage


# TRATAMENTO 3

Nas férias escolares uma das coisas que eu mais gostava era jogar fliperama, tinha um lugar, perto de casa, com vários, e eu ia caminhando até lá, eram uns 30 a 40 minutos de caminhada, e passava a tarde jogando, Cadilac Dinossauro, Mortal Kombat, Capitão Comando.

Mas houve uma dessas tardes em que tudo mudou, algo terrível aconteceu, estava eu em uma partida de Street Fighter, jogando com o Blanka contra o Honda e eu estava indo muito bem, dominando a situação, quando a máquina começou a apelar e a dar aquele golpezinho de mão chato da porra a toda a hora, e eu que estava indo muito bem na partida fiquei na alma, foi nesse momento em que eu armei a virada do contra ataque no choquinho, que uma bomba explode dentro do meu estômago, imediatamente meus olhos se arregalam, um suor frio me desce pela espinha, e minhas nádegas se contraem como uma boca sem dentes chupando limão, eu perco a partida, que aquela altura já não me interessava em nada, e começo a fazer um mapeamento mental, naquela época não existia waze, mas era algo parecido com isso que se passava em minha mente em busca de um banheiro, após um rápido processamento chego a conclusão que o melhor era ir pra casa.

Começo a caminhar, não tinha como ir de ônibus, já tinha gasto o dinheiro da passagem no fliperama, no começo é uma caminhada lenta porém confiante e firme, dez minutos depois eu andava como se não tivesse articulação nos joelhos, eu apertava tanto as nádegas que dava pra quebrar uma noz, nisso já havia anoitecido quando eu paro enfrente ao hotel La Plage, e faço uma conta mental simples, que é distancia que falta, vezes a velocidade possível de segurar a merda, o resultado era óbvio, eu ia chegar em casa todo cagado, e foi ai que um anjo no céu sentiu pena de mim, um anjo barroco provavelmente, o Hotel La Plage  ficava em frente a praia, em uma esquina de rua menos movimentada, essa rua lateral estava com os postes apagados, e toda a lateral do hotel era rodeada por uma cerca viva alta, eu entrei nessa rua, "arrudiei" a cerca e vi aquele trecho de grama fresca, e virginal, com a cerca viva servindo de biombo, ou seja era tudo perfeito demais, e ainda por cima tinha uma mangueira dessas de jardim no chão, olha, só faltava eu cagar em cima de um bilhete de loteria premiado de tão perfeito que era.

Vendo que aquilo não se tratava de outra coisa se não uma mensagem de deus, dizendo pra mim, vai meu filho, se livra desse filhote de urubu que tá bicando a sua cueca, eu nem hesitei, prontamente me agachei no escuro, ansioso por cortar o rabo do macaco, aliás esses nomes pra quando se vai ao banheiro são ótimos, largar um barro, passar um fax pra Boston, esse já tá desatualizado, que ninguém mais manda fax, tem outro que é maravilhoso, colocar a Alcione na hidromassagem, porque o apelido da Alcione é marrom, ó que coisa escrota.

Mas voltando, quando finalmente o meu momento de adubar o solo chegou, com as calças já chegando na altura dos joelhos, uma luz se ascende atrás de mim, e eu vejo que estou enfrente a uma imensa janela de vidro, dessas que só se vê quem está por dentro, percebo que estou de frente a vidraça que dá pro salão de jogos do hotel, eu olho pra trás ao mesmo tempo que me jogo pro lado, que nem um goleiro de seleção, só que sem calças, me arrastando em direção ao escuro, me levanto e saio andando, como se nada tivesse acontecido, e depois de uns 3 minutos, percebo que a vontade de cagar sumiu, simplesmente sumiu, eu fiquei até na dúvida se na verdade eu não tinha cagado tão rapidamente que nem senti a merda ir embora, o fato é que o cocô se desmaterializou dentro de mim, era o que eu achava, pois na verdade ele foi parar em outra dimensão e voltou, por que quando eu cheguei em casa a vontade reapareceu, mais ai já estava tranquilo por que afinal era só esperar o punheteiro do meu irmão terminar de tomar banho, conclusão, depois de tudo isso, me caguei na porta do banheiro.




domingo, 5 de julho de 2020

Discurso Final - O Grande Ditador

O Grande Ditador.

“Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, os gentios… negros… brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem… um apelo à fraternidade universal… à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora… milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia… da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!.”

Charles Chaplin




sexta-feira, 3 de julho de 2020

Mar Adentro - Poema de Ramon Sanpedro


Esse é o poema que dá título ao filme de mesmo nome, lançado em 2004, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e com uma interpretação primorosa de Javier Barden, já conhecia o filme, mas só assisti no dia de hoje.


"Mar adentro, mar adentro
e nesse fundo onde não há mais peso, onde se realizam os sonhos,
se juntam as vontades
para cumprir um desejo.

Um beijo acende a vida
com um relâmpago e um trovão,
e em uma metamorfose
meu corpo já não é mais meu corpo
 é como penetrar o centro do universo

O abraço mais pueril
e o mais puro dos beijos, até vermo-nos reduzidos 
a um único desejo:

Seu olhar e meu olhar
como um eco se repetindo, sem palavras: 
mais adentro, mais adentro,
até mais além de todo o resto
pelo sangue e pelos ossos

Mas me desperto sempre
e sempre quero estar morto
 para seguir com minha boca enredada em teus cabelos".